Em um período tão significativo como este, entendo bastante apropriado refletir sobre a importância pragmática da fé na vida das pessoas. Buscando uma análise acadêmica, fora dos parâmetros religiosos, já parece bastante experimentado cientificamente a relevância da espiritualidade no âmbito das ciências da saúde. Na esfera das humanidades, entretanto, o ceticismo dos autores e a tendência à relativização dos conceitos acabam distanciando essa temática das discussões, motivo pelo qual resolvi me aprofundar nesse sentido.
Primeiramente, é propício estabelecer uma diferença entre crença e fé. Enquanto a primeira parece-me retomar a um acervo de conceitos não necessariamente empíricos, a segunda é dotada de uma profundidade ímpar, retomando à etimologia do termo. Do Latim, fides, confiança. Por isso, é válido inferir que a fé estabelece um estágio superior à crença, onde se pressupõe confiança e, portanto, compromisso. E é exatamente essa cadeia cíclica cujas roldanas são a certeza da continuidade e o esforço metonímico, pelo qual se pode enxergar o todo em cada um.
Assim, o fator agregador da fé é de nítida aplicabilidade sociológica. Em situações catastróficas como a pandemia de Covid-19, que atingiu a humanidade no início desta década, muito relevo se imprimiu sobre os estudos médicos, imunizantes e protocolos de tratamento desenvolvidos. Mas, ainda que elípticas aos holofotes, as habilidades subjetivas foram amiúde experimentadas. Pontuais são os eventos na História em que a resiliência, ou a capacidade de convergência das possa foram colocadas tão à prova. Passar por aquele período sem transtorno ou algum tipo de desafio no que tange à saúde mental foi realmente um grande teste de elasticidade emocional.
Sem dúvidas, restaram em substancial vantagem aqueles que – além do equilíbrio psicoemocional – puderam contar com a força (para mim) Divina ou puramente da fé. Naturalmente, nos momentos de maior tribulação, as pessoas de fé fruem do conforto inegável de poder contar com o intelegível como elemento acolhedor, capaz de agasalhar e resolver os problemas sem solução plausível. Entregar-se à fé é um esteio que pode, realmente, alterar o curso de vida de um ser humano. Em anáfora ao exercício da confiança, quaisquer intempéries experimentadas dentro da linha do tempo passam a ser meros acessórios dentro de um principal, assim compreendido como a vida. E o maior dos exemplos dessa dinâmica é o próprio Cristo, dentro do Tríduo Pascoal. Mesmo passando pelos piores sofrimentos que alguém poderia passar, resignou-se e manteve-se hígido no cumprimento de sua Missão, demonstrando a mais perfeita e inabalável fé.
No Brasil, cujo primeiro ato oficial foi a celebração da Santa Missa, a fé transcende o foro individual e ascende à coletividade. Além das menções a Deus no papel moeda e no Preâmbulo da Constituição da República, a tradição (que é fonte de Direito Consuetudinário) está presente em todos os espaços do território nacional. Aliás, o mais famoso de todos os monumentos brasileiros – o Cristo Redentor, no Rio de Janeiro – é o ícone maior da fé Cristã. E justamente na tradição que encontramos mais um importante elemento de reflexão da importância da fé na seara das humanidades.
É exatamente essa tradição que se faz presente em praticamente todas as repartições públicas com a aposição de crucifixos em suas dependências. Em que pese alvo de muitas críticas – ao meu ver descabidas – considero que a presença dos ícones cristãos não atenta contra a laicidade constitucional do Estado. Ao contrário, são elementos de tradição cuja história está intimamente ligada à própria gênese do povo brasileiro. O mencionado Santuário do Cristo Redentor no Rio de Janeiro, por exemplo, pode ser considerado um elemento da própria identidade do Brasil, assim reconhecido internacionalmente.
Por derradeiro, cumpre destacar o incomensurável conteúdo moral da biografia de Jesus, por exemplo. Neste panorama, a fé funciona como um óculos de realidade virtual, tendo o condão de mudar completamente a história sem alterar o enredo. Isso porque até o mais descrente de todos os homens não pode negar a existência histórica do Cristo, assim como seus preceitos filosóficos baseados na paz social induzida pelo amor entre as pessoas. Isso sem olvidar da radical ruptura de paradigma com o Império Romano, um dos mais bélicos de todos os tempos. Aplicados os óculos da fé, a genialidade do grande pensador e pregador transfigura-se na divindade do Deus-Filho. Em ambos os aspectos, fica clara a coerência entre teorias pregadas e a prática de seus ensinamentos baseados na paz e na resiliência, destacando-se como grande exemplo para a humanidade.
Portanto, se a fé promove alterações substanciais no âmbito individual e objetivo, sobretudo na recuperação de problemas de saúde, em geral, amplitude ainda maior se observa na esfera subjetiva das ciências humanas. Os exemplos que destaquei acima corroboram a tese de que é possível vislumbrar na fé sentimentos de grande relevância difusa, podendo ser esta modalidade qualificada de confiança compreendida como um importante elemento sociológico.
Autor:
Prof. Dr. Marcelo Henrique de Carvalho
Editor-Chefe