Direito de Guerra: será que existe Guerra Legal?

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A guerra, enquanto fenômeno sociopolítico e histórico, acompanha a humanidade desde tempos imemoriais. No entanto, é apenas com o advento da civilização jurídica moderna que surge um esforço sistemático para regular os conflitos armados, conferindo-lhes uma moldura normativa. Este esforço é conhecido como Direito de Guerra ou, mais tecnicamente, como Direito Internacional Humanitário (DIH).

As primeiras tentativas de restringir a barbárie da guerra encontram-se em textos religiosos e filosóficos, como os escritos de Cícero, Santo Agostinho e Tomás de Aquino, que discutiram a ideia da “guerra justa” (bellum iustum). Todavia, o marco fundacional do Direito de Guerra moderno remonta aos séculos XIX e XX, com a Convenção de Genebra de 1864 e as Conferências de Haia de 1899 e 1907. Estes instrumentos normativos buscaram estabelecer regras para a conduta dos beligerantes, proteger os feridos, os prisioneiros de guerra e a população civil.

Com o horror das Guerras Mundiais, especialmente a Segunda, consolidou-se uma consciência global da necessidade de fortalecer o arcabouço legal humanitário. As Convenções de Genebra de 1949, juntamente com seus Protocolos Adicionais de 1977, representam o corpo normativo mais robusto do DIH, estabelecendo princípios fundamentais como a distinção entre combatentes e não combatentes, a proporcionalidade e a necessidade militar.

O DIH pode ser compreendido em dois ramos complementares: o jus ad bellum, que trata das condições sob as quais um Estado pode legalmente recorrer à guerra, e o jus in bello, que regula a conduta durante o conflito armado. O primeiro é regulado principalmente pela Carta das Nações Unidas (1945), cujo Artigo 2º, IV, proíbe o uso da força nas relações internacionais, salvo em casos de legítima defesa ou com autorização do Conselho de Segurança.

jus in bello, por outro lado, é guiado por princípios humanitários universais: a humanidade, a distinção, a proporcionalidade e a precaução. A intenção subjacente é mitigar o sofrimento, mesmo em meio ao caos da guerra.

A distinção entre uma guerra legal e uma ilegal é uma questão central no Direito Internacional Contemporâneo. Considera-se uma guerra legal aquela travada em conformidade com os ditames do jus ad bellum, notadamente quando ocorre: em legítima defesa contra um ataque armado, conforme o Artigo 51 da Carta da ONU; com a autorização expressa do Conselho de Segurança das Nações Unidas; por convite de um governo soberano, nos limites da autodeterminação dos povos.

Por outro lado, qualquer conflito armado que viole essas condições é considerado ilegal. Guerras de agressão, intervenções unilaterais sem base legal e ocupações militares não autorizadas são exemplos de manifestações ilícitas, segundo o Direito Internacional.

A complexidade geopolítica do mundo atual tem desafiado os limites tradicionais do Direito de Guerra. O surgimento de novos atores, tais como grupos armados não estatais, a guerra cibernética e os ataques com drones, levantam questões prementes sobre a aplicação do DIH. Ademais, a seletividade da aplicação das normas e a politização das decisões do Conselho de Segurança fragilizam a eficiência do sistema.

O Direito de Guerra, embora marcado por uma tensa dialética entre a necessidade militar e os imperativos humanitários, representa uma conquista civilizatória. Ele é o testemunho do esforço humano em impor limites à destruição e em preservar, dentro do possível, a dignidade em meio ao horror. Contudo, sua efetividade depende de uma constante vigilância da comunidade internacional, da educação jurídica e da pressão moral das sociedades civis. Assim sendo, encerro com as palavras do jurista Hugo Grotius: “bello gerendum cum jure, non cum ira”, ou “a guerra deve ser conduzida com direito, não com fúria”

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