Ativação de gene faz mosca-da-fruta copiar ritual sexual de outra espécie

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Há mais de um século como organismo-modelo em vários laboratórios do mundo, a mosca-das-frutas (Drosophila melanogaster) se transformou na “queridinha” dos geneticistas e biólogos. Com um genoma relativamente simples e bem mapeado, ela teve seus genes transplantados em diversos organismos.

Agora, uma equipe de pesquisadores da Universidade de Nagoya, no Japão, ultrapassou a simples observação do funcionamento desses segmentos de DNA em outras espécies. Eles documentaram, pela primeira vez na história, a alteração completa de um comportamento inato através da manipulação de um único gene.

Segundo o estudo, publicado recentemente na revista Science, os autores conseguiram, ao ativar o gene conhecido como fruitless em neurônios produtores de insulina, fazer com que a D. melanogaster adotasse um cortejo sexual de sua espécie irmã, D. subobscura: regurgitar alimento para a fêmea.

Embora ambas as moscas sejam do gênero Drosophila, suas rotas evolutivas, separadas há cerca de 35 milhões de anos, moldaram rituais de cortejo distintos: a D. melanogaster atrai a fêmea por meio de cantos produzidos pelas asas, enquanto a D. subobscura oferece a gotinha de alimento como presente à parceira.

Após comparar os circuitos de acasalamento das duas espécies desde 2017, a equipe liderada por Ryoya Tanaka aplicou luz laser nos neurônios que carregam a versão masculina do gene (FruM) da D. melanogaster. Previamente sensibilizados à luz, essas células deflagraram o ritual de cortejo da outra espécie.

Como um gene alterou os comportamentos de acasalamento na D. melanogaster?


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A Drosophila melanogaster se afastou evolutivamente da D. subobscura há cerca de 30 a 35 milhões de anos • jhenning/Pixabay

Bem antes que humanos e macacos se separassem evolutivamente, as duas espécies de moscas-das-frutas divergiram há cerca de 30 a 35 milhões de anos. Embora continuem possuindo o gene fruitless (ou fru), que controla o comportamento de cortejo masculino, suas estratégias evoluíram.

A pesquisa revelou que, nas moscas que dão presentes (D. subobscura), os neurônios produtores de insulina estão conectados ao centro de controle do cortejo no cérebro, enquanto nas moscas que cantam (D. melanogaster) não há ligação funcional entre essas células nervosas e a “central do namoro”.

O gene fru tem diversas versões de proteínas, conhecidas como isoformas. Uma delas, chamada FruM, é específica de machos e fundamental para ativar os neurônios que controlam comportamentos de cortejo, como cantar ou oferecer alimento durante o ritual de acasalamento.

Em um comunicado, Tanaka explica: “Quando ativamos o gene fru em neurônios produtores de insulina de moscas cantoras para produzir proteínas FruM, as células desenvolveram longas projeções neurais e se conectaram ao centro de cortejo no cérebro”.

Ou seja, quando ativados, esses neurônios criaram novos circuitos cerebrais que passaram a produzir ações que não precisam ser aprendidas. Em outras palavras, os pesquisadores sobrepuseram um comportamento de cortejo da outra espécie, e a D. melanogaster, além de cantar, passou a dar presentes à fêmea.

Qual a importância dessas descobertas genéticas?


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Para restabelecer a ligação funcional entre neurônios e centro de cortejo das moscas, os cientistas tiveram que reverter a evolução • kjpargeter/Freepik

Para o coautor Yusuke Hara, o surgimento de novos comportamentos evolutivos não depende, necessariamente, da criação de novos tipos de neurônios. “A reconfiguração genética de pequena escala em alguns neurônios preexistentes pode levar à diversificação comportamental”, afirma.

“Mostramos como podemos rastrear comportamentos complexos, como dar presentes nupciais, até suas raízes genéticas e, assim, compreender como a evolução cria estratégias inteiramente novas que ajudam as espécies a sobreviver e se reproduzir”, disse em comunicado o autor sênior Daisuke Yamamoto.

Mas essa transformação de moscas D. melanogaster em doadores de presentes não foi só um “desbloqueio”, pois não havia, na prática, nenhum tipo de ligação funcional entre os neurônios e o centro de cortejo. O que os cientistas fizeram foi reverter a evolução, induzindo a expressão do gene fru nesses neurônios e criando novos circuitos.

Esse gene já atuava no cérebro das moscas, mas precisava ser manipulado em outra população de células para formar conexões totalmente novas. Isso resultou em uma sobreposição inédita de um comportamento de cortejo de outra espécie aos comportamentos já existentes na mosca.

Feita sem aprendizado ou exposição social, essa mudança comportamental ocorre em espécies de moscas-da- fruta que, mesmo distintas entre si, compartilham cerca de 60% de sua composição genética com os humanos, o que reforça seu valor como modelo para entender doenças genéticas.

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