A Lei de Zoneamento e o Planejamento Municipal

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No vasto panorama do Direito Urbanístico brasileiro, a Lei de Zoneamento desponta como uma das peças mais significativas para a racionalização do espaço urbano e a materialização dos princípios constitucionais que regem a função social da cidade. Trata-se de um instrumento normativo que, com rara sofisticação técnica, define os usos e as ocupações permitidas em determinadas áreas do território municipal, de modo a assegurar um crescimento harmônico, funcional e equitativo das urbes brasileiras.

A origem constitucional de tal legislação encontra amparo no artigo 182 da Constituição Federal de 1988, que consagra o planejamento urbano como competência do Poder Público municipal, incumbido de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. O caput do referido artigo, ademais, articula o princípio da gestão democrática da cidade, a qual deve ser realizada mediante a participação da população e de associações representativas.

A Lei de Zoneamento, portanto, não é mera ferramenta burocrática. Trata-se de um verdadeiro pacto normativo que consubstancia o plano diretor do município (cuja elaboração é obrigatória para cidades com mais de 20 mil habitantes, conforme o Estatuto da Cidade – Lei nº 10.257/2001) e estabelece zonas urbanas com finalidades específicas: zonas residenciais, comerciais, industriais, de serviços, zonas especiais de interesse social (ZEIS), entre outras.

Cada uma dessas zonas carrega consigo uma racionalidade que transcende o aspecto meramente funcional: a zona residencial, por exemplo, visa preservar a qualidade de vida, o sossego e o meio ambiente local; a zona industrial, por sua vez, objetiva concentrar atividades econômicas produtivas de maior impacto, mitigando os conflitos de uso com outras atividades urbanas; as ZEIS destinam-se à moradia de populações de baixa renda, promovendo inclusão social e combate à segregação socioespacial.

Sob a ótica sociológica, autores como Henri Lefebvre e David Harvey elucidam a centralidade do espaço urbano como arena de conflitos sociais e instrumento de distribuição (ou concentração) de poder. A produção do espaço não é neutra: ela revela as estruturas de domínio, exclusão e privilégio. Daí a importância das leis de zoneamento como instrumentos capazes de democratizar o acesso à cidade, garantindo que a função social da propriedade (art. 5º, XXIII da CF) e da cidade prevaleça sobre interesses puramente especulativos.

No médio e longo prazos, uma legislação de zoneamento bem elaborada e coerente com o plano diretor permite a previsibilidade do uso do solo, protege áreas ambientalmente sensíveis, previne a gentrificação descontrolada, reduz os custos com infraestrutura e promove cidades mais sustentáveis e organizadas. É o que se poderia chamar de um urbanismo de horizonte, voltado não apenas para a solução de problemas imediatos, mas para a configuração de um futuro urbano mais justo e equilibrado.

Em suma, a Lei de Zoneamento se apresenta como o reflexo de uma visão civilizatória da organização do espaço. Seu êxito depende, porém, de um compromisso político e técnico que una conhecimento jurídico, sensibilidade social e planejamento urbano. A cidade, como nos ensinou Aristóteles, é a realização da vida boa. Cabe ao Direito Municipal, mediante o zoneamento, pavimentar esse ideal com normas que transformem o espaço em lugar de convivência digna e realização coletiva.

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