Em tempos de convulsão institucional, de recessos morais e de retrações econômicas que se revela, com mais contundência, a necessidade de preservar não apenas o ente abstrato que denominamos “empresa”, mas toda a tessitura humana, econômica e social que nela gravita. A empresa, e não me refiro aqui ao conceito puramente técnico de pessoa jurídica registrada em junta comercial, mas à entidade concreta, orgânica, dinâmica, é, por excelência, o lócus onde se manifesta a vitalidade do capitalismo democrático, onde se conjugam o labor humano e a racionalidade econômica em prol de objetivos produtivos que transcendem o mero lucro.
Neste cenário, emerge com fulgor o Princípio da Preservação da Empresa, concebido como cláusula de resistência contra intervenções estatais indevidas, instrumento de resguardo à ordem econômica e, sobretudo, à dignidade dos trabalhadores, acionistas, fornecedores e consumidores que dela dependem. Trata-se, portanto, de um verdadeiro postulado axiológico, cuja gênese não se esgota na literalidade da Lei Federal n. 11.101/2005, marco legal da recuperação judicial e extrajudicial das empresas, mas que encontra suas raízes mais profundas nos valores estruturantes do Estado Democrático de Direito, conforme delineado no Art. 1º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Sob tal perspectiva, convém recordar que a livre iniciativa não é uma concessão graciosa do Estado, mas um princípio fundamental da República, ombreando-se com a valorização do trabalho humano como base da ordem econômica (Art. 170, caput, da CF/88). Nesse contexto, a empresa assume não apenas uma função instrumental de produção de bens e serviços, mas uma função social ampla e irrenunciável: geração de empregos, circulação de riquezas, fomento ao desenvolvimento regional, tributação responsável e, acima de tudo, estabilidade das relações jurídicas no seio da sociedade civil.
A partir dessa moldura, evidencia-se que qualquer medida estatal que implique na supressão abrupta da atividade empresarial, salvo quando destinada ao combate ao crime ou à criminalidade economicamente organizada, deverá ser interpretada à luz do princípio da proporcionalidade, da razoabilidade e do devido processo legal substancial. A propriedade, ainda que empresarial, continua a ser um direito fundamental tutelado pelo Art. 5º, XXII, da Constituição. E, como tal, não se sujeita à expropriação sumária ou à morte civil por atos administrativos revestidos de suposta legalidade formal, mas desprovidos de legitimidade constitucional.
Nesse ponto, a interface com a Sociologia do Trabalho e da Empresa é inevitável. A empresa não é apenas um centro de decisões econômicas; é também um aparelho simbólico onde se constroem identidades, onde o sujeito moderno inscreve sua biografia laboral, onde se plasma a cidadania econômica. Ao ser extinta ou asfixiada pelo Estado, não se elimina apenas uma CNPJ: extermina-se um microcosmo social, destrói-se um núcleo de relações interdependentes e intergeracionais.
Como já alertava Karl Polanyi, em sua obra magna A Grande Transformação, a mercantilização das instituições sociais sem a devida proteção contra as forças cegas do mercado (ou do Estado, em seu avatar punitivo) pode levar à dissolução do tecido social. A função social da empresa, nesse sentido, não é um adereço retórico, mas uma cláusula essencial de sua legitimidade existencial. Preservá-la é proteger a sociedade contra o caos.